quinta-feira, 6 de outubro de 2011

ECCE HOMO

ECCE  HOMO


Tu, Homem!
Tu, animal...
Que te consomes
Entre o Bem e o Mal;
És caminhante...
És a estrada...
- O pé e o pó!
O pé errante,
O pó que é nada,
Tu és tão só!
Então tu pisas,
E és pisado!
- O pé e o pó...
Tu, Homem!
Tu, animal...
Que te consomes
Entre o Bem e o Mal;
És em verdade ,
Uma mentira!
Quem és?   Que vês?
Talvez bem tarde
Mas chega o dia
Do teu revés...
Atrás das grades
Só tu te miras:
- Quem és?... Que vês?...
Tu és a praga,
E o fungicida...
A estiagem,
E a chuva boa...
És a fuligem,
E o ar do campo...
És a geada,
E raio de sol...
Tu és a fome,
E a sobremesa...
Negociante,
Mercadoria...
Na vitrine estás a venda
E teu preço é ocasião!
Tu és o crime
E a recompensa...
És a oferta
E a procura...
O luxo que mofa,
O lixo que resta;
Espírito em luto,
A carne em festa...
O próprio Templo;
A própria cova;
O próprio Tempo;
E a Vida nova!


 
Os versos acima foram pensados para serem declamados em off (por ator com vozeirão, e reproduzidos no sistema de som do teatro através de caixas acústicas potentes) na cena inicial da peça colagem "LIMITE DE CONSCIÊNCIA", de Napoleão Tavares, ensaiada à exaustão no Círculo Operário do Embaré e apresentada ao público no Teatro Municipal de Santos.   O palco, representando a consciência do Homem - personagem central da peça, tinha na boca de cena, nas laterais e ao fundo, atores agachados em posição que fazia lembrar "O Pensador" de Rodin e que se levantavam em "slow motion" a medida que música instrumental 'soturna' era reproduzida e as luzes se faziam em "fade-in"...   Esses atores personificavam demônios que iam se altivando e virando-se para a platéia e estendendo em mesura, num convite, os braços e as mãos para receber  o Homem, que adentrava o teatro em meio à plateia e dirigia-se para o palco para enfrentar cara a cara sua condição humana, muito humana... existencial




Parte do elenco (grande; tinha o autor Napoleão Tavares fazendo Lúcifer, seu séquito de demônios hierarquisados, um "corpo de baile" fazendo as Ninfas, os Profetas, etc, etc...)      Nestas fotos: Acima, e imediatamente abaixo, o ator principal.   Na terceira, um dos 'profetas'.
Também nessas fotos outros integrantes, dentre os quais este pobre diabo.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

ORDINÁRIO... MARCHA! / SUL FABRIL (ou A NUDEZ GÉLIDA DE UM MANEQUIM DE LOJA RECOBERTA DE AURIVERDE SENTIMENTO)

PICKLES, a peça teatral, foi alvo de críticas diversas, opiniões divergentes: desde a da aluna e colega que acusava o autor, diretor e produtor - no caso, nós - de colocar em cena atores "que não sabiam o que estavam a representar", até a daqueles que abertamente declaravam não ter entendido a mensagem (alguns ainda acrescentavam que apesar disso viam certo deslumbramento na estranheza do espetáculo pois, afinal, não eram afeitos a ir ver espetáculos teatrais - raros na cidade e mais raros ainda no ambiente escolar.)   Houve ainda um ou outro que, sabe-se lá, juravam "de pés juntos" que tudo era muito claro, óbvio até, e que haviam apreciado ou não a peça, seja pela música (incidental), pela poesia, pela atuação do elenco ( formado por amadores), pela profusão de signos...   Uma das professoras do Curso de Letras - Unifran (que ministrava Linguística - ou Teoria Literária? ou Semiologia? Isso, Semiologia, sem dúvida) cujo nome a memória não guardou, acorreu a defender o trabalho de arte apresentado.
De fato, mais importante do que o texto verbal em PICKLES é o texto não-verbal, icônico, imagético, justamente aquela profusão de signos... ainda que tenhamos sempre apreciado o texto (verbal) em peças de teatro.   Como não se apaixonar pelos textos de um Édipo Rei, de Sófocles; de um Othelo, de Shakespeare; de um Senhorita Júlia ou um A Mais Forte, de Strindberg; de um texto de Moliére; de Nelson Rodrigues; de Tennessee Williams; dos autores italianos, russos, e tantos mais...
Mas em PICKLES, a peça, o que mais contava era de fato o que era mostrado; mais do que o que era dito.   Assim é que uma das cenas mais emblemáticas da peça era a cena na qual um manequim de loja, feminino, tinha sua nudez gélida coberta com a bandeira nacional enquanto os atores recitavam e cantavam os textos a seguir:


"ORDINÁRIO... MARCHA!"                                                  "SEM TÍTULO" (ou Sul Fabril)
                     (letra e música: Achilles F. Abreu)                                         Achilles F. Abreu


        Toda essa gente                                                               Você me dá
          Faz que não vê...                                                            Pipoca,
            Vai sempre em frente,                                                   Eu lhe ofereço chocolate;
              Não quer nem saber!                                                  A gente aí se toca
                                                                                                - Vê como o coração bate!

        As coisas vão mal,                                                            Êta verso pueril!
          Mas devem mudar...
            - Espere sentado                                                          PARLAMENTARISMO
              P'ra não se cansar!
                                                                                                Pau
                      Ou...                                                                    -
                                                                                                brasil
        Saia p'ra rua
            E grite e destrua;                                                           Você me põe
        Acabe com seu conformismo.                                            Só risos,
                                                                                                 Você me deixa de careta;
            Salve!   Salve!                                                               A gente já não tem juízo
                                                                                                 A coisa anda mesmo preta
                   Salve o nacionalismo!
                                                                                                Êta canto varonil!

                                                                                                PRESIDENCIALISMO

                                                                                                Sul

                                                                                                Fabril



Com a cena descrita acima, sucintamente, buscava-se abordar dentro do contexto geral da peça PICKLES a necessidade urgente de fazer com que os filhos da Pátria, a Nação, fossem tomados de um sentimento de patriotismo, de nacionalismo, de brasilidade... que abandonassem o "analfabetismo político" (Berthold Brecht), engajando-se na discussão das questões políticas, econômicas e sociais, com responsabilidade.  Procurou-se evitar ao máximo o tom panfletário...
Já dissemos alhures, penso eu, que esse aderêço de cena - o manequim de loja - fora gentilmente emprestado pelo Sr. Antonio Eustáquio, à época gerente de uma das lojas do Magazine Luiza em Franca,SP.   Não poderíamos deixar de consignar nossos agradecimentos a essas pessoas (física e jurídica) pelo seu inestimável apoio à arte e à educação.