terça-feira, 13 de março de 2012

PARALELISMO POSSÍVEL?

PARALELISMO POSSÍVEL?

               Consumir é bom, produzir é ainda melhor.   Arte, por exemplo.   Ou conhecimento.
               Afastado há algum tempo da cena teatral (amadora) como realizador, não deixo entretanto de acompanhar - ainda que a distância - o que se produz aqui na nossa Franca ou mais além.
               Todo ano, no mês de março, a FETANP - Federação de Teatro Amador do Nordeste Paulista, com apoio da Prefeitura Municipal através da FEAC - Fundação para o Esporte, Arte e Cultura (anteriormente, Fundação Municipal "Mário de Andrade") apresenta seu Projeto Cultural ÁGUAS DE MARÇO com manifestações artísticas nas áreas de dança, de teatro, de música e outras (poesia encenada, monólogos, teatro de bonecos ou marionetes, canto coral) que são levadas ao público de forma gratuita (ou mediante ingresso 'social'), inicialmente apenas no Teatro Municipal "José Cyrino Goulart" e mais recentemente ocupando espaços diversos na cidade. 
               Este ano, na sua 23ª edição, a programação do ÁGUAS DE MARÇO vai de 16 a 25 e pode ser visualizada em www.francasite.com/index.asp
               Recordo-me do tempo em que tendo chegado a Franca (para assumir as funções de Agente Fiscal Metrológico no IPEM-SP Órgão Delegado do INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial) vindo de Santos, onde já havia participado do movimento teatral amador, aproximei-me da FETANP, lá conhecendo José Aparecido Ribeiro, João Mamédio, Cardoso Jr. e tantos outros jovens entusiastas das artes cênicas.   Logo recebí convite para dirigir uma peça, voto de confiança depositado por Jô Ribeiro e demais membros da FETANP que tinham a seu encargo um grupo numeroso de jovens interessados no aprendizado do fazer teatral.   Foi-me atribuído um grupo de rapazes e moças (que se mostraram todos muito talentosos) e um texto: Édipo Rei, de Sófocles, em adaptação de Jean Cocteau e tradução de Maria Clara Machado.
               Alguns fatores concorreram para facilitar o nosso trabalho de concepção, direção e produção do espetáculo, a saber:
1 - Além da pesquisa que fiz (fizemos) sobre Édipo Rei, auxiliou-me o fato de já ter assistido a encenações de outras tragédias gregas, clássicas, por grupo amadores, como "Antígone" (também de Sófocles) e "Prometeu Acorrentado" (de Ésquilo).
2 - Também foi de valia o mini-curso sobre Mitologia Grega apresentado por Sira Napolitano (mestranda à época, se não me engano) no espaço da FETANP.
3 - O concurso de pessoas de Santos, especialmente Mônica Batista, através do Artevida Produtos de Palco, principalmente no tocante ao figurino (design e confecção).
4 - Grego Defterios, de passagem por Franca, instruiu atores - especialmente na construção da personagem Jocasta (direção de ator/atriz).
5 - O momento político brasileiro à época: Collor x Lula.   Collor prometendo acabar com a (hiper)inflação monetária  - e com os "marajás" - mediante um "ypon" ou usando "uma única bala, um único tiro", que deveria ser "certeira(o)".   E governar para os "descamisados e pés descalços"
               O texto de Édipo Rei nos permitiu então estabelecer - aleatoriamente, claro - alguns paralelos:
               inflação = peste
               ypon, ou tiro certeiro = decifração da esfinge
              descamisados e pés descalços = o figurino tinha túnicas brancas que cobriam o colo e os antebraços, e sandálias, para os "reais" Édipo, Jocasta, Creonte... e túnicas pretas deixando à mostra parte do colo e antebraços, e sem qualquer tipo de calçado, para os integrantes do Coro, para o pastor de ovelhas, para o cego Tirèsias...
               Collor x Lula (luta de classes, perigo do caos) = Ao dizer o 'prólogo', o ator - interpretando  o Corifeu - vestindo túnica vermelha, segura em cada mão (direita e esquerda) longas tiras largas de tecido branco e preto que agita, em embate constante.
               Continuidade da disputa política = Ao final da peça, Édipo caído em desgraça, tendo perdido Jocasta, a mãe, que se mata (já havia assassinado Laio, o pai, ainda que sem o saber), tendo propositalmente cegado a si mesmo face ao horror, percebe adentar o átrio sua filha Antígone (atriz mirim, vem vestindo túnica vermelha).   Luz vermelha geral inunda a cena.  Archotes, tochas incandecentes portadas pelos integrantes do Coro fomam um círculo, distante, ao redor de Édipo... 
               Ao decifrar o enigma proposto pela esfinge Édipo temporáriamente afasta a peste, e conforme promessa de Creonte, habilita-se a desposar Jocasta e reinar sobre Tebas.   O herói trágico, o herói das tragédias clássicas gregas é um homem virtuoso.   Visualizamos em Édipo uma imprudente impetuosidade e certa soberba, orgulho.   Impressão colhida nas falas do Coro, do cego advinho Tirésias e também das imprecações proferidas por Édipo Rei em um extenso monólogo a certa altura do texto de Sófocles.
              E em 1989, com pouco mais de 51% dos votos válidos, o jovem, bom moço, é eleito e conduzido ao governo de uma Tebas tropical... como o mais jovem presidente deste país (e das Américas), permanecendo de 15 de março de 1990 até 29 de dezembro de 1992.   O desenrolar dessa história e seu desfecho são conhecidos sobejamente.   Paralelismo possível?