terça-feira, 31 de maio de 2011

CORTADORES DE CANA

                           CORTADORES DE CANA                             (foto: Achilles F. Abreu)

                                    ... E com precisos golpes do podão
                                        Os cortadores derrubando vão
                                        - Dobrado o dorso sob o sol - ao chão
                                        Milhares de eriçadas negras varas do talhão...

                                                      Enegrecido o rosto de carvão
                                                      Misturado a poeira, a palha e suor,
                                                      O cortador com calejadas mãos
                                                      De pé agora... embrutecido e cansado, só.

                                                                   Deitada a cana, em leiras enfeixada...

                                                      Pro dono do açúcar, álcool e alheia dor...



          Estes versos não estão na edição de 1985, do autor.   São mais recentes, e ainda assim contam já alguns anos.   À época trabalhava como agente fiscal metrológico no IPEM-SP Instituto de Pesos e Medidas do Estado de São Paulo, órgão delegado do INMETRO Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial, tendo como superintendente então Adejair Cyro Trigo.             O trabalho de acompanhamento e verificação das operações implicadas no cálculo da remuneração do trabalhador rural, no caso o cortador de cana, exigia que estivéssemos a campo, nos talhões, medindo a extensão da área trabalhada com medida padrão legal (no caso, trena devidamente certificada) - onde os leigos usavam compassos de confecção rudimentar; pesagem dos caminhões (ou treminhões) carregados de cana, descontando-se a tara - peso do caminhão (ou treminhão) vazio; operação esta precedida da aferição (verificação) da(s) balança(s) industrial(ais) com pesos padrão rastreados; e ainda o acompanhamento das análises de teor de cada partida de cana do talhão que adentrava a usina para processamento e transformação em álcool (ou açúcar).   Se a metodologia das verificações, por um lado, pudesse sofrer alguma crítica, por outro lado, inegavelmente, o trabalho do órgão metrológico garantia respeito e dignidade ao cortador de cana.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

VAI...(caminhos, histórias, estrelas e mulheres)

V A I ...
     (letra e música: Achilles F. Abreu)

          A gente pega a pasta,
          A gente vai de besta,
          A gente ganha a pista...
          A gente perde a aposta!
               A gente vai, vai, vai...
               - A gente o quanto custa!
Mil são os caminhos p'ra seguir
               (mas o destino é um!)
Mil são as histórias p'ra contar
               (mas o final é um!)
Mil são as estrelas lá no céu
               (mas o Senhor é um!)
Mil são as mulheres p'ra se amar
               (mas o Amor é um!)
          A gente faz ciranda,
          A gente quer merenda,
          A gente vive ainda...
          A gente enfrenta a onda!
               A gente vai, ai, vai...
               - A gente só se afunda!
Mil são os caminhos p'ra seguir
               (mas o destino é um!)
Mil são as histórias p'ra contar
               (mas o final é um!)
Mil são as estrelas lá no céu
                (mas o Senhor é um!)
Mil são as mulheres p'ra se amar
                (mas o Amor é um!)
          A gente cheira a alho,
          A gente se olha no espelho...
          A gente vê só empecilho,
          A gente vê alguém de olho.
               A gente vai, vai, vai...
               - A gente vai no embrulho!
Mil são os caminhos p'ra seguir
               (mas o destino é um!)
Mil são as histórias p'ra contar
               (mas o final é um!)
Mil são as estrelas lá no céu
               (mas o Senhor é um!)
Mil são as mulheres p'ra se amar
               (mas o Amor é um!)
     A gente tem mudado...
     A gente não tem medo...
     A gente só tem ido...
     A gente tá no lodo...
          A gente vai, vai, vai...
          - A gente já viu tudo!
Mil são os caminhos p'ra seguir
               (mas o Destino é um!)
Mil são as histórias p'ra contar
               (mas o Final é um!)
Mil são as estrelas lá no céu
               (mas o Senhor é um!)
Mil são as mulheres p'ra se amar
               (mas o Amor é um!)
     A gente vai co'a cara,
     A gente vai qual fera,
     A gente vai com ira,
     A gente vai agora!
          A gente vai, vai, vai...
          - A gente pouco dura!
Mil são os caminhos p'ra seguir
Mil são as histórias p'ra contar
Mil são as estrelas lá no céu
Mil são as mulheres p'ra se amar
          Mas o Amor é único...
          O Amor é um, um só!...
          Mas o Amor é único...
         O Amor é um, um só!...



          VAI ...(caminhos, histórias, estrelas e mulheres) fez parte da já mencionada peça teatral "PICKLES".   Os atores (coadjuvantes), representando " a massa ", diziam os versos como um jogral e com encenação bastante ágil que explorava bem todo o espaço cênico.


Alagoinhas, BA - Anos 70


domingo, 29 de maio de 2011

A VIDA QUE SE LEVA

A VIDA QUE SE LEVA
               (letra e música: Achilles F. Abreu)           

Madrugada, em silêncio, aflita
- Na janela uma fresta de luz -
Estreita na cama dois corpos nus...
Espreita no ar a usina que apita.
Agita-se o dia!
Sacode Maria
Sacode João, já - de pé no chão
- Que a luta é bendita!

               Nos meus olhos e ouvidos
               A imagem e o som
               De todo santo dia...
               A tristeza dessa vida,
               Desbotada no seu tom,
               É como a chuva fria...

               Cinco horas da manhã
               E o galo já cantou,
               É hora de sair!...
               Bem, durante toda noite
               O filhinho seu chorou
               E não deixou dormir!...

               Só um casaco de lã
               E uns trocados pro pingão,
               P'ra encarar o frio...
               Vai cansado trabalhar
               Este homem que é João,
               Precisa resistir...

               Precisa, precisa,
               Precisa resistir...
               E ir!...

Madrugada, em silêncio, aflita
- Na janela uma fresta de luz -
Espreita na cama dois corpos nus...
Espreita no ar a usina que apita.
Acorda o dia!
Acorda Maria.
- "Acorda, José!   Tá pronto o café
Tá feita a marmita."
             



          "PICKLES", peça teatral de autoria de Achilles F. Abreu, tinha estes versos de A VIDA QUE SE LEVA na cena inicial ( na verdade o espetáculo começava com atores fazendo incursões rápidas pelo palco, com luz branca total, em "sketch", pantomimas, num quase "ato sem palavra" ). O tempo narrativo da peça compreende o decurso de uma madrugada de um dia qualquer até a manhã do dia seguinte.
          Sobre essa temática dos operários, Noel Rosa compôs "Os Três Apitos", e Tarsila do Amaral pintou o quadro "Operários", reproduzido acima

sábado, 28 de maio de 2011

IDENTIDADE

IDENTIDADE
          (letra e música: Achilles F. Abreu)



Hoje eu volto por aqui,                                 
Hoje eu tomo o meu lugar,
Hoje sei onde caí,
Hoje sei onde pisar...
   Que se cuide a "curriola",
   Põe no saco a viola,
   Vá bater noutro lugar.

Mil caminhos eu voltei
Até chegar aqui;
Se mil vezes eu errei,
Bem, mil coisas aprendi...
   Hoje tenho um só caminho,
   Vou seguro, vou sozinho,
   Mil mentiras eu ouvi.

Eu penso, posso, falo por mim
Não é nada disso,
A vida não é assim...                                   Capa e...
É assim

Mil miragens p'ra se ver
Mil pedaços p'ra juntar
Mil milagres p'ra fazer
Mil viagens p'ra se achar
   Quem só vê inutilidade
   Nada sabe da verdade,
   Tá na hora de mudar...
   Quem só vê inutilidade
   Tá com medo da verdade,
   Tá na hora de mudar.
   Tá na hora de mudar...
   Tá na hora de mudar...
                                                   ... contra-capa do CD DEMO com letras, cifras, créditos.





               IDENTIDADE fez parte fundamental da peça teatral "PICKLES", o momento da tomada de consciência da personagem central em oposição a anterior alienação.   Os versos eram ditos pelo ator principal (Paulo Sérgio) numa cena em que a personagem central da peça por ele interpretada (o homem simples do povo - personagem sem um nome) após ser manipulada insistentemente por fios invisíveis operados pelas outras personagens circunstantes (atores coadjuvantes em exercício básico de expressão corporal para teatro), fazendo dela mera marionete, é abandonada, deixando-se cair extenuada, e, a medida que cai, vai tomando  a posição de O Pensador, de Rodin.   Durante toda a duração desta cena, ouve-se reproduzida nas caixas de som do anfiteatro "Revolution 9" de Lennon e McCartney - 5ª faixa do lado B disco 2 do LP The Beatles' White Album (1969), em exasperantes 9 minutos de som e fúria.






quinta-feira, 26 de maio de 2011

RUMO SUL

Jardim - Marcelo Novaes, arquiteto e paisagista.   Revista Arquart, 2005


RUMO SUL  
                                                       (letra e música: Achilles F. Abreu)

As águas correm
   Livres, tranquilas,
      Sobre o cascalho nú...
A gente corre
   Ou segue as filas,
      Busca um atalho ao sul...
                    A gente morre todos os dias
                    P'ra renascer co'a mancha branca do sol (do sol do amanhã),
                    Na marcha franca pro sul (pro sul de relva e lã),
                    Ah... a marca branda e o sal (o sal suado no afã)...
As aves cruzam
   O azul sereno
      Num voo alto e só...
A gente sofre,
   Vence o terreno,
      Engole asfalto e pó...
                    A gente morre todos os dias
                    P'ra renascer co'a mancha branca do sol (do sol do amanhã),
                    Na marcha franca pro sul (pro sul de relva e lã),
                    Ah... a marca branda e o sal (o sal suado no afã)...
                             Há quem não chore?
                             Há quem não ria?
                             Há quem não veja a mancha branca do sol pela manhã?
                             Há quem não chore - eu disse,
                             Há quem não ria - eu disse,
                             Há quem não veja - eu disse - a mancha branca do sol pela manhã.




          RUMO SUL coteja natureza e cultura (civilização? progresso?).   É uma interpretação, a um nível de leitura, que parece válida ainda .   Há três décadas e um pouco mais, quando foi escrita, existia por certo um menor grau de poluição das águas (fluviais, lacustres, marítimas, glaciais, subterrâneas, de precipitação).   Observava o autor: "As águas correm, livres, tranquilas, sobre o cascalho nu..."   Hoje possívelmente as águas se encontrem mais estagnadas - já não corram tão livres, tranquilas - e o cascalho, sumido entre entulho de toda espécie, carreado para os mananciais, já não se vê... a reluzir nas suas formas arredondadas e lisas.
          A luta cotidiana das pessoas continua, num mesmo azáfama: corre-corre; perda de tempo; atalhos e descaminhos...   Vão-se, engolidas pelo terreno.   "Memento homo quia pulvis es et in pulverem reverteris".
         À época (era o ano de 1976 quando foi escrito e musicado), a leitura e interpretação do poema tinha mais a ver com a questão da liberdade.

Apresentação

"Dear Sir or Madam
Will you read my book
It took me years to write
Will you take a look?"
        (Lennon-McCartney, in "Paperback Writer")         
                                                                                


               Em abril de 1985, na cidade de São Paulo, reuni em um modesto livreto, sem maiores pretensões, alguns poemas - letras de músicas, na sua maioria - que havia composto em anos anteriores já então bem distantes.   Dei o título de PICKLES àquela singela produção.
               O que havia alí de melhor era, em verdade, o concurso de pessoas incentivadoras que colaboraram, espontaneamente, cada qual a seu modo: a amiga, à época estudante do curso de Jornalismo da FACOS - Faculdade de Comunicação de Santos, da Sociedade Visconde de São Leopoldo (UNISANTOS), fez a apresentação; o amigo, à época funcionário contratado do Diretório Acadêmico "Morvan Dias de Figueiredo", da ESAN - Escola Superior de Administração de Negócios (onde fiz meu curso de bacharelado em Administração de Empresas), encarregou-se da tarefa de datilografar os textos; outra amiga sugeriu o design da contra - capa...
                Assinei o trabalho com o codinome A. Fabreu (que suscitava, a mim pelo menos, a ideia de fabril, de febril... ou ainda de faz breu - numa alusão a "Faz escuro, mas eu canto" do grande poeta amazonense Thiago de Mello).
               Confeccionei a capa estampando oito corações estilizados, lembrando balões, submetidos a pingos de chuva, de um lado, e a citação "... a gente foi ficando um pouco em pedaços pelo caminho", do outro lado.   PICKLES, o título, encimava a capa, à direita, com letras cada qual em tipos diferentes e sugerindo o contorno parcial de mais um coração...