sexta-feira, 22 de julho de 2011

PÃO

PÃO

          Tenho em mãos uma embalagem confeccionada em papel pardo destinada a acondicionar pão de sal - ou pão francês, como se diz - e que me chama a atenção de modo especial.
          Esses "pacotes", ou "cartuchos", ou "sacos", em papel pardo ("papel de pão"), como tantas vezes são referidos dependendo do regionalismo, têm sido substituídos ultimamente por embalagens plásticas que não têm, a meu ver, o mesmo charme da embalagem tradicional; além de constituirem-se em agravante das questões ambientais (sabemos: o papel é biodegradável, ao contrário do plástico).
          Mas o que há nesta embalagem específica que tenho ora em mãos que me chame tanto a atenção e, mais do que isso, me dá uma grande satisfação?
          Alí, pode-se aprender que para cada 50 gramas de pão tem-se, como valor nutricional, 134,50 kcal; 4,65 g de proteínas; 28,70 g de glicídios; além de dosagens de lipídios, colesterol, e minerais como cálcio, ferro e fósforo.   Interessante.   Mas isso, certamente, é obrigatoriedade definida em legislação pertinente.
          Ali, temos também impressas, sob os respectivos logos (signos), as legendas "embalagem reciclável" e "mantenha a cidade limpa".   Importante.
          Também ali, centralizado, em caixa alta e em cores vivas, lê-se o nome fantasia do estabelecimento - uma padaria situada no bairro Jardim Paulista, em Ribeirão Preto, SP - acrescido da Razão Social e respectivo número de inscrição no CNPJ, do endereço e dos dizeres de "grato pela preferência" e do slogan.   (Pode não parecer, mas não há poluição visual ali presente.   Todo o espaço foi bem aproveitado.)
          No entanto, o que esta embalagem tem a mais, em relação a tantas outras, é o fato de trazer impresso um poema de Fernando Pessoa que faço questão de reproduzir aqui:

" Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo.   E que posso evitar que ela vá à falência.   Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.   Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.   É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.   É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.   Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.   É saber falar de si mesmo.   É ter coragem para ouvir um "não".   É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.  Pedras no caminho?   Guardo todas, um dia vou construir um castelo... " 

          De imediato me vêm à mente os versos de Moraes Moreira na música "Pão e Poesia", que acostumei a ouvir na interpretação de Simone.
          Acorrem, também de pronto, os versos de "Comida", música dos Titãs interpretada soberbamente por Marisa Monte.
          Assim, se dentro da singela embalagem se coloca o pão do corpo, por fora dela se estampa como pão da alma um poema.
          Tal exemplo maravilhoso deveria se disseminar - promovendo, recuperando uma maior sensibilidade já perdida no caos cotidiano... - substituindo, por fim, o embrutecedor "panis et circensis" romano remanecente na avalanche de mensagens que sobre nós desaba de forma mais direta, mais invasiva, mais imediata e estúpida.
          Poesia urgente.  
          Poesia,  já!

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