sábado, 19 de novembro de 2011

O NAVIO NEGREIRO



(Caricatura do blogueiro - de barba, bigode e cabelo comprido, à época - feita em 1 minuto por artista de rua, com tesoura)
  O NAVIO NEGREIRO

Carlos Ferreira já havia interpretado Jonas, papel central da peça "TRANSE", de Ronaldo Radde, encenada pelo GRUTA - Grupo Unido de Teatro Amador, de Santos-SP, com direção de Jorge Elias; e tinha também atuado conosco em 'Pai ou Responsável', quadro da peça "A INFIDELIDADE AO ALCANCE DE TODOS", de Lauro Cesar Muniz, com direção do mesmo Jorge Elias - que à época era funcionário da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo onde desempenhava as funções técnicas de Desenhista.
Carlos Ferreira, casado, pai de duas meninas já à época, era vendedor na Livraria Martins Fontes, situada na Avenida Ana Costa, no bairro do Gonzaga, em Santos-SP.   Lá esteve por muitos e muitos anos, sempre com um sorriso peculiaríssimo e atenção respeitosa a todos quantos adentravam a maior, a mais sortida, a mais tradicional livraria da cidade.
Por várias vezes manifestara a vontade de encenar um monólogo, especialmente o "NAVIO NEGREIRO", de Castro Alves - o poeta dos escravos.
Estas lembranças me vêm à mente no momento mesmo em que se tem no 19/11 a comemoração do Dia da Bandeira e no 20/11 a comemoração do Dia da Consciência Negra.     
Carlos Ferreira não era negro, nem mesmo mulato.   Solicitou-me que o dirigisse em cena.   Conversamos bastante e iniciamos os ensaios com base no texto, pesquisa de material de cena, música, figurantes, etc.   Decidiu-se que Carlos Ferreira representaria o próprio Castro Alves - dizendo seu poema vigoroso no tombadilho de um navio, mais junto à proa, porém em meio a escravos acorrentados, açoitados, etc.   Muito som de atabaques, hino da Umbanda, efeitos sonoros (e visuais) de água, raios, trovões, etc compunham a proposta, a aposta naquela concepção cênica de "NAVIO NEGREIRO". E, claro, principalmente a construção da cena final quando a plateia se daria conta e veria formada sobre o palco uma 'meia' bandeira: parte de um retângulo coberto de folhas de bananeira (verde); velas acesas (amarelo) em V (proa do navio); ao centro, figurantes recobrem o poeta com um pálio azul; e, de cima, cai sobre todos uma longa fita branca.
Eu já havia visto pelo menos uma apresentação de "NAVIO NEGREIRO" (Vado já se firmara magnificamente como intérprete do poema, e durante muito tempo continuaria a se apresentar, sempre com enorme talento e merecido sucesso).   Eu pretendi conceber o espetáculo de forma diferente, mais dentro do espírito contestador da época - e "cutucar o bicho com vara curta".   Os anos eram difíceis e os gritos, os lamentos dos negros do poema remetiam a outras atrocidades.   Numa época em que vestir vermelho era arriscado; em que o hino nacional só podia ser executado em Fa maior e no andamento indicado (impensável uma interpretação como a de Fafá de Belém por  ocasião da morte de Tancredo Neves); enfim, precisávamos driblar a censura prévia (obrigatória para todo tipo de espetáculo). Poderíamos, mesmo sem querer, estar incorrendo em crime de desrespeito a um símbolo nacional - a Bandeira - assim entendido: alegoricamente a bandeira nacional no chão, cortada ao meio, na cena final elaborada conforme já mencionamos, acompanhada dos versos finais do poema:
                                     " Mas é infâmia demais... "
                                     (...)
                                     " Andrada, arranca este pendão dos ares "
                                     " Colombo, fecha as portas dos teus mares "
                                                                               (Castro Alves, NAVIO NEGREIRO)

Cai a luz em resistência (fade-out).   Desce o pano.

ATENÇÃO: Se você quiser saber muito mais sobre Castro Alves, clique em O COSMONAUTA, (link) na barra ao lado (blog do nosso amigo Saymon Justo). Vale a pena.

Para ouvir "Bandeira de Oxalá" (Hino da Umbanda) acesse http://youtu.be/25P3O948_gM

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